Narrador Intruso: o palpiteiro sabido
 



Dicas

Narrador Intruso: o palpiteiro sabido

Carol Canabarro


Narrador intruso é aquele que, em um texto ficcional, relata e, ao mesmo tempo, comenta a narrativa. Geralmente na terceira pessoa e onisciente, esse tipo de narrador se beneficia do distanciamento da história e do conhecimento das emoções, dos pensamentos, das motivações e das ações das personagens para conduzir o leitor através da sua percepção.



Um exemplo contemporâneo de narrador intruso é o escolhido por Carla Madeira, no livro "Tudo é rio". Nele, desconhecemos quem é o narrador, mas sabemos que ele tem acesso irrestrito às personagens, nos revelando inclusive o que elas mesmas não sabem sobre si, como vemos no trecho a seguir: "Se a boca dos dois era lerda, incapaz de recitar um texto mais elaborado, os olhos eram atrevidos, um entrava dentro do outro, e de alguma maneira um nó apertado foi sendo dado."

No exemplo, a "lerdice" e a "incapacidade", são percepções do narrador diante da falta de conversa das personagens, não necessariamente algo que elas reconhecem em si mesmas ou que os leitores poderiam determinar, pontualmente dessa forma, sozinhos.

É importante salientar que nos textos ficcionais o narrador, seja ele intruso ou não, é uma entidade fictícia. Não é o próprio escritor que está ali, mas uma criação sua. Isenta-se assim o autor das opiniões de seu narrador. Carla Madeira talvez não considere duas pessoas apaixonadas "lerdas" ou "incapazes" na escolha das palavras, pode ser que as veja apenas "extasiadas" ante o encontro, mas isso só a autora pode afirmar.

Em sendo uma persona, o narrador intruso deve ser planejado e construído com a mesma dedicação que os demais elementos da narrativa. Conhecer suas perspectivas, frustrações e linguagem, são fertilizantes no momento da escrita.

Na literatura, o mais comum é o narrador intruso onisciente, mas é possível criar um narrador intruso onisciente parcial, ou seja, ele terá acesso ao arcabouço de uma ou algumas personagens e uma gama limitada de fatos e cenas. O que não o impede de deixar impresso seus pitacos a respeito da trama.

Para que o narrador seja intruso, é imprescindível que ele "se meta na história", apesar de não fazer parte ativa dela. Esse tipo de narrador critica ações, estabelece juízo de valor sobre os pensamentos e comenta ações inconscientes ou o que considera como falhas de caráter das personagens. Com a segura distância de quem relata, mas não vivencia o contexto.

A partir da sua própria visão de mundo, o narrador intruso poderá fazer digressões, elaborar conceitos e defender ou atacar a postura de uma personagem. Na maioria das vezes, faz uso da ironia, para denunciar ou censurar algo, convidando o leitor a refletir sobre o tema e escolher sua posição. Nesse tipo de narrativa, não é raro o leitor se sentir interagindo com o narrador visto que a história é contada (quase) como uma fofoca que o escritor transformou em algo digno de ser contado.

 

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